Uma Semana

A manhã fria e cinzenta chegava como de costume, com vários pássaros cantando e voando de galho em galho. O sol ia aparecendo, tímido, e iluminando o quintal da casa de Oliver. Um vento gelado penetrava por uma pequena fresta em sua janela do quarto. O modo como sua cama estava disposta deixava seus pés exatamente na direção da corrente de ar. Não dormira muito bem, seu sono conturbado o fizera mudar diversas vezes de posição e, por fim, os pés acabaram ficando descobertos. A tépida manta cobria agora, apenas a metade superior de seu corpo. “Não quero”, pensava já acordado, “levantar. Não agora, não hoje.” Oliver sabia o que lhe aguardava. Eram 06h17min da manhã, do dia 4 de maio.

Quatro semanas antes, em um sábado sem nuvens no céu, como de praxe, Oliver saiu com dois de seus melhores amigos; Júlia e Jonatan. Conhecidos da universidade, eram irmãos por parte de mãe. Ele promotor, em licença temporária por motivos que não nos interessam no momento e ela, universitária de Medicina Veterinária. Sempre saiam juntos, compartilhavam o mesmo gosto musical e acabaram por tornando-se muito íntimos. Decidiram que naquela noite iriam à casa de Cristina. Apenas para jogar conversa fora, gravar alguns vídeos e tomar cerveja. Cristina era uma excelente anfitriã e sabia fazer com que todos se sentissem à vontade. Outras pessoas, até então desconhecidas para Oliver e seus amigos, também estavam lá. E foi nesse dia que ela apareceu. De longos cabelos negros e ondulados. Sua estatura mediana baixa fazia-a a menor dos presentes – não que isso importasse alguma coisa. Era de origem italiana, mas quando ela timidamente sorria, seus olhos banhados em rímel e lápis muito se assemelhavam aos de uma oriental. E se tinha algo que deixava Oliver desnorteado era o olhar carismático de garotas de olhos puxados. Não seria exagero dizer que ele rapidamente se encantou pela moça, já que além dos olhos apaixonantes, Laura – seu nome – era caucasiana e possuía frágeis sardinhas nas maçãs do rosto, uma preciosidade!

Laura, até então comprometida, também acabou por se mostrar interessada em Oliver, mas nada aconteceu. As poucas palavras que trocaram naquela noite não foram além de cordialidades. A surpresa ficou por conta de que dias depois ela telefona para Oliver – o modo como ela conseguiu descobrir seu número e contatá-lo é mistério até hoje – e convida-o para sair. “Não estou mais namorando”, explicava pelo telefone “e sei que você também quer sair comigo”. Mesmo achando a situação meio estranha, Oliver topou, e ao encontrá-la no local e hora marcada, fora recebida diretamente com um beijo e um abraço. Mal podia acreditar que sem esforço algum conseguira tocar os lábios da nipo-romana. Desconcertado, desequilibrou-se, mas apoiando-se em um balcão, conseguiu evitar que caísse na frente de todos e, principalmente, dela. Conversaram durante o almoço e não tardou para que se descobrissem como feitos um para o outro. Ambos com habilidades e feitos fascinantes em suas distintas áreas. Inclusive que cursaram línguas na mesma escola, anos atrás. Uma das habilidades compartilhadas era a de memorizar textos, portanto, conseguiram facilmente recitar os poemas um para o outro, ali mesmo.
Esse era o de Oliver:
“I had a big dream,
I dreamed with you,
In my dream we rode horses in the field…
Stopped on the barn
We were wet because it was raining and we kissed
We were in love
I woke up and saw that it was not true, only one part…
We really are in love
I have the same dream everyday and all the time.”

E este o dela:
“I had a dream last night, I dreamed with you.
In my dream you were my sweet prince.
We were running in the field and kissed.
It was a sunny day and the sky was blue, no clouds.
We looked at the ocean, but then, you disappeared, just like everything else.
I woke up this morning and played our song.
I hid my tears.
You’re still in my lonely mind, and I call you all the time,
but now I know that you don’t exist, you’re my perfect dream.”

Eles sabiam que não falavam um sobre o outro, mas no fundo, gostariam que assim fosse. Soava tudo tão maravilhoso. E então, Oliver passou a melhor semana de sua vida. Laura mostrava-se de personalidade forte e grande espírito amoroso. Era muito atenta a detalhes e conseguiu, de forma singela, conquistar Oliver. A troca de carícias os remetia a novas sensações e experiências. Parecia que se conhecessem há anos, mas mesmo assim, com sensação de coisa nova. Compartilhavam sentimentos e sentiam-se seguros quando estavam juntos.

No oitavo dia que estavam juntos, dia 3 de maio, as coisas mudaram. Oliver retornara de uma viagem de apenas algumas horas e foi almoçar junto com Laura. Podia perceber facilmente que ela estava diferente. Não conseguia muito bem olhar nos olhos de Oliver e parecia trêmula e incomodada com alguma coisa. Na ida para o restaurante passaram por um parque no centro da cidade, onde madames passeavam com seus cães, pais entretinham os filhos e casais namoravam nos banquinhos. Naquela tarde podia-se inclusive ver um grupo de idosos se exercitarem e cantarolarem antigas canções.

“Eu”, começou Laura “tenho uma coisa bem chata pra fazer hoje”. Rapidamente pela mente de Oliver, pensamentos de possíveis transtornos que uma aluna de Medicina Veterinária poderia ter durante o seu curso, iam e vinham, mas o que viria a seguir ele nunca poderia ter imaginado. “Hoje”, continuou “eu vou conversar com o Pietro”.
E assim desenrolou-se o diálogo.
-Pietro? Ele não é seu ex-namorado?
-Sabe Oli, ele me magoou muito no passado. Nossa relação sempre foi muito inconstante, na verdade. Ele não conseguia demonstrar seu amor por mim, mas eu sabia que ele me amava. Chorou muito quando nos separamos, uma vez. Fiquei sentida e voltamos. Tudo isso para que uma semana depois, ele resolvesse que não quer mais estar comigo. Dizia ser jovem demais para estar preso a uma relação como a nossa. Queria sair mais, viajar... E aparentemente eu o impedia de prosseguir com seu plano. Fiquei meio abalada, mas acontece, né. Eu é que não quero ser a causa da infelicidade dele. Até aí tudo bem, mas ele me ligou, enquanto você estava fora. Disse que queria voltar comigo. Eu ainda gosto muito dele, sabe... Contei que eu estava contigo e ele ficou muito bravo! Babaca... Como se ele não tivesse ficado com ninguém, mesmo. Disse que estaria disposto a deixar as bobagens de lado e voltaria comigo. Ficamos de conversar pessoalmente hoje de noite.
-Você ta realmente considerando isso, Lau?
-Ai Oli, você sabe que eu gosto muito de ti! Diverti-me muito nessa semana, foi tudo muito bom! Mas eu prefiro me encontrar com ele hoje e colocar tudo na mesa. Quero ver o que ele tem pra me dizer. E assim, é hoje a decisão final, ou tentamos novamente ou nunca mais! Não gosto de ficar nesse “chove-não-molha”. Eu não tinha certeza de que queria te contar isso agora, não sei se é melhor assim... Fale alguma coisa!
-Foi ótimo que você tenha me contado isso antes. Não posso nem imaginar como seria nossa conversa depois desse seu encontro de hoje, sem que eu estivesse ciente do que pode acontecer. Você não sabe como isso impactou aqui no meu peito. Estou muito desapontado comigo. Como pude me deixar apaixonar por alguém, sem ter a certeza de que ela me amava da mesma forma? Eu não quero ser chato, inconveniente, Laura. Não vou lhe dizer que você conseguiu me fazer sorrir novamente, me guiou para a luz, tendo me tirado do profundo estado de depressão emocional em que eu me encontrava. Você mesma agora me diz que há a possibilidade de tudo isso acabar, rápido assim. Não quero dizer que sofro já, antes mesmo de qualquer coisa ser decidida, apenas com a possibilidade. A agonia da espera por uma resposta que mesmo não participando do debate, estou fortemente incluso no resultado, me arde no peito já nesse exato momento. Tremo de desespero com a incerteza do amanhã. Hoje mesmo pode ser que não mais pense em mim antes de dormir. Que esteja com o outro. Que bobagem estou dizendo... Está mais do que claro que eu é que sou o outro. Eu que me intrometi na vida de vocês.

Sem ter muita certeza do por que, Oliver abandona a amada e dirige-se, em passos largos e apressados para casa. Mil pensamentos percorrem sua mente, em confusão. Todos os sons à sua volta começam a soar horrendamente mais estrondosos do que o normal. As vozes das pessoas conversando tranquilamente davam a Oliver a sensação de estar dentro de um sino gigante, badalando ao meio dia. As buzinas dos carros mais pareciam uma turbina de avião sobrevoando sua cabeça a menos de um metro de distância. Teve vontade de gritar, e assim o fez, caindo de joelhos, apoiando-se com as mãos na grama já úmida. Lágrimas começam a correr incessantemente, chamando a atenção de alguns andantes, mas ninguém parou para afagá-lo. A grande maioria apenas virava a cara, demonstrando desprezo. Soluçava como nunca antes soluçara, faltava-lhe ar para respirar e engasgava-se quando tentava falar, ou pronunciar algo. Nenhuma palavra podia ser discernida, mas grunhidos certamente se ouviam e era possível perceber sua intenção de dizer algo. Em vinte minutos esgotou suas forças e caiu desacordado.

Pássaros agora já não mais cantavam. A luz artificial era fraca, mas presente. Nenhuma lua podia ser vista no céu. No lugar de pessoas, grilos e sapos conversavam entre si, discutindo nada muito relevante, coisas pelas quais grilos e sapos costumam se importar. Em três horas o céu tornara-se escuro. O sol há muito já havia se posto, mas sem um substituto oficial. Em três horas ninguém tocou em Oliver.

Despertou tonto e com a sensação de uma grama muito mais tépida do que lembrava. Sacudiu as calças e a camisa ao levantar-se. “Nossa”, começa a refletir sozinho “devo ter bebido muito para ficar dormindo em plena praça” O choque havia sido tão grande que perdera momentaneamente sua memória recente. Ajuntou a chave de casa, que até então jazia no chão, e para lá se dirigiu.

Chegando em casa, deu por conta de que deveria estar na aula, mas não lembrava do porque ter faltado ao trabalho. “Eu não costumo beber durante o dia. E não me sinto com ressaca; não fiquei bêbado coisa nenhuma”, concluiu. “Vou ligar pra Laura, ela deve saber o que é que eu andei aprontando”. E foi aí que ele percebeu. Estava sozinho, e sua memória havia voltado. “Ok, Oliver”, tentava acalmar-se, “fique calmo. Tudo ao seu tempo. Não é só porque vocês não estão juntos agora que não poderão estar juntos no futuro. Mas o que será de nós depois de hoje? Mesmo que eu seja o escolhido, que você permaneça ao meu lado de forma brilhante, como foi essa última semana, voltaremos do jeito que éramos? Conseguirei eu te olhar do mesmo jeito? Beijar-te? Amar... te?” Remoendo-se na cama até quatro da manhã, novamente a exaustão o leva ao desmaio. Já não é mais forte o suficiente para agüentar.

A manhã fria e cinzenta chegava como sempre. “Não quero”, pensava ele, já acordado, “levantar. Não agora, não hoje”. Sabia o que lhe esperava. No hall de entrada de sua casa, deslizada por debaixo da porta, poucos minutos antes, havia uma carta de Laura. Ela havia escolhido o outro.

5 comentários:

Luiza Helena Silva disse...

just loved it!

Unknown disse...

que bad :/

Kamila Faria disse...

Oxa:[

Unknown disse...

Lindo texto. História concisa e fluida, deliciosa para se ler. Amei!

Unknown disse...

O comentário acima é meu. Vou ler mais textos. Gostei de verdade. Beijos da tia Dê.

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